Estado violador Suelen Aires Gonçalves
Socióloga e professora universitáriastyle="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">
Acompanhamos com muita tristeza mais uma ação contra a dignidade humana das as mulheres, através do machismo estrutural no judiciário brasileiro, que se apresenta com nitidez no caso da jovem Mariana Ferrer em um processo de ataque a dignidade , tortura e humilhação contra a vítima de um estupro que teve coragem para denunciar seu agressor. Falo em coragem, pois temos um sistema tão perverso que as vítimas passam a serem culpadas de um crime que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, só em 2019, foram registrados mais de 66 mil casos, o que significa cerca de um estupro a cada 8 minutos, contudo estima-se que o número real seja muito superior, pois muitas das vezes a violência não é denunciada.
O trâmite do processo foi marcado pela troca de delegados e promotores, sumiço de imagens e mudança de versão do acusado e do parecer da promotoria, o que demonstra o verdadeiro descaso com a proteção da jovem diante de seu agressor. A nitidez da injustiça está evidente no caso acima citado, pois tivemos uma sentença judicial favorável a estupradores, mesmo diante de provas, testemunhais do fato e um exame de corpo de delito que comprovou a violação. Com esse caso, a justiça brasileira contribui com a impunidade dos casos de violência contra meninas e mulheres. Ficou nítido que os operadores do Direito, no caso advogado, promotor e juiz, utilizam interpretações dentro da dogmática penal conforme lhes convém e cabe proteger interesses dos seus semelhantes. O pacto de manutenção de privilégios segue entre homens, brancos e ricos.
DESIGUALDADES ESTRUTURAIS
A onda do conservadorismo que ataca a dignidade da pessoa humana com o machismo e a misoginia mostra a sua cara outra vez. Não é de hoje, que casos como o de Mariana chegam até o sistema de justiça e tem um desfecho favorável ao violador. Temos muitos casos que nem tratamento no sistema de justiça temos a oportunidade de tê-los. Faça uma reflexão comigo, se Mariana fosse uma jovem, mulher negra e periférica teria seu caso analisado pelo sistema de justiça? Acredito que pouco provável. A Justiça reafirma as desigualdades estruturais de gênero, raça e classe no Brasil e precisa ser enfrentada, pois tais relações estruturam as relações sociais e reforçam a violência contra nossa dignidade e nossos corpos.
Tal decisão judicial abre precedente para casos de impunidade e precisa ser enfrentada. Uma das ações urgentes seria a responsabilização imediata dos envolvidos, tanto por ação (crime de estupro) quanto por omissão, bem como a posição do sistema de justiça como um todo. O sistema de justiça criminal revitimiza a mulher e um Estado omisso ou protetor de violadores torna-se um Estado Violador. #SilenciadasNuncaMais
O estupro culposo de cada dia Silvana Maldaner
Editora de revistastyle="width: 25%; float: right;" data-filename="retriever">Com a exposição das redes sociais do caso do André de Camargo Aranha, filho do poderoso advogado que representa as empresas do Grupo Globo, veio à tona o assunto proibido. Falar de poder e abuso de poder. Criaram um novo tipo de poder no Brasil, o estupro culposo.
Estupro é a violência que as mulheres enfrentam todos os dias. É algo extremamente doloroso. A cada 15 minutos alguma menina ou mulher é violentada no Brasil. A grande maioria, cerca de 75% é cometida por conhecidos. É o tiozinho, o padrasto, o vizinho, os irmãos, o professor, o chefe.
São denunciados estupros desde bebês até idosas de 80 anos. A cultura do macho. Do fodão. Do poderoso. Do que pode tudo, afinal homem pode tudo. Os juízes perdoam. Os artistas e a mídia perdoam. Perdoaram o médico estuprador. Perdoaram João de Deus. Afinal foi só estupro a mulheres.
O caso do pedófilo que estuprou e matou uma criança, foi ovacionado no programa Fantástico, e mereceu abraço coletivo do renomado Dr. Drauzio Varela. Que mensagem foi passada? Que estuprar nem é tão grave né?
No caso do empresário, influente da Globo, o dinheiro não só comprou a justiça, como criou uma modalidade de crime inexistente. Ou é estupro ou é sexo consentido. Assistimos chocados à audiência inescrupulosa, humilhante e reforçando ser muito difícil denunciar os abusos no Brasil. O agente público que deveria defender, é conivente com a violência continuada, desencorajando outras mulheres a denunciar.
ATÉ QUANDO?
A mulher quando vence o medo e a vergonha, tem sua vida vasculhada, julgada, violada duplamente, pois além de marcar o corpo, arrebentam sua alma, destroem sua reputação, para justificar que ela queria ou merecia ser violentada.
Cansei de ficar quieta. Cansei de fazer cara de paisagem e dizer que está tudo bem, da cultura do machismo das rodas de conversa, dos que querem a todo o custo que as mulheres sejam coadjuvantes, omissas, caladas, que embelezem as reuniões, que alegrem os dias, que sejam enfeites ou penduricalhos em eventos corporativos. Mulheres bonitas são criticadas. Mulheres de expressão incomodam. Mulheres envelhecidas são rejeitadas. Tudo numa boa.
A violência quando não é física, é moral. Tipo quando os brinquedinhos estragam ou enjoam, os homens trocam por brinquedos mais novos para se exibir com os amiguinhos, para garantir que sua virilidade e seu poder continuam em alta.
Até quando aceitaremos a violência nossa de cada dia?